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segunda-feira, abril 21, 2014

Eu só queria comer um hamburger...

De um ponto de vista, música e comida tem um mesmo parâmetro, o gosto. Alguém precisa de um crítico pra te convencer a consumir? O que muitos detestam, outros acham uma maravilha. Uma questão de gosto? Sim, mas também há muitos casos de se adaptar o paladar, tanto alimentar como de audição. Como um simples café. Culturalmente foi acostumado a se tomar com açúcar e muitos acham o café sem açúcar uma coisa horrível, como se estivesse tomando dipirona sódica, mas quando o paladar se adapta, o amargor diminui e se acentua o sabor do café. Mas também pode simplesmente ser uma questão de gosto mesmo, mas a maioria não aceita experimentar algo novo, e isso me lembra uma entrevista com Ken Vandermark que fiz anos atrás:

8. Você concorda com John Zorn quando ele declara que free jazz, improv e outras vanguardas musicais em geral não vão alcançar o grande público, mas que seu público se renova a cada geração mantendo mais ou menos o mesmo número de pessoas envolvidas?
Eu penso que os assuntos enfrentados pelos músicos de jazz e improvisação são múltiplos. Primeiro, eu acredito que a mídia mainstream especializada em jazz colocou a forma artística em um gueto musical elitista, ajudando a removê-la da percepção ou interesse da população em geral. Em segundo lugar, a maior parte dessa música é desafiadora para os músicos e, portanto, pro público. A maioria da população não é interessada de verdade em música, eles estão interessados em um papel de parede sonoro – algo bom pra ter por perto desde que não interrompa seu ambiente ou desafie suas expectativas. Estou interessado em encontrar uma maneira de quebrar a noção pré-concebida, desenvolvida pela mídia e por muitos músicos que é impossível que a música improvisada encontre um lugar real na sociedade contemporânea. A questão é encontrar fãs de música. Esse é o público que vai aos meus shows na América do Norte e na Europa, pessoas entre 20 e 40 anos que ouvem todo tipo de música: jazz, rock, reggae, funk, hip hop, música erudita, etc. e são essas pessoas que os músicos de improvisação precisam encontrar e tocar para, não para o fã elitista de jazz que já tem uma definição de como a arte pode ou não ser.

Pois é, depois de uma resposta dessas, realmente é necessário dizer mais alguma coisa? Bom, quando eu fiz esta entrevista, nem havia sequer um pequeno grupo de pessoas tentando criar um digamos, cenário musical ou comunidade para esse tal de free jazz, improvisação livre ou até música experimental em certo sentido.
Algumas coisas até que de certo modo progrediram, mas outras que são essenciais, ainda continuam na era da pedra lascada, e põe lascada nisso, visse? Em plena segunda década do século XXI me deparo com discussões inúteis sobre arte e música, que não chegam a lugar nenhum, a não ser no centro do ventre de quem promove este tipo de debate.
Se eu preciso elaborar uma teoria toda complexa para explicar a minha música, algo deu errado. Na verdade o processo é muito simples: Ela agrada ou não, soa bem aos ouvidos ou não e ainda tem que contar com o gosto pessoal. Tem certos tipos de música que realmente não me acrescentam nada, mas isso é estritamente pessoal. Já vi alguns elaborarem um complexo discurso para justificar o tal do "funk carioca".
Uma coisa enfadonha é uma pessoa da classe média ou alta tentar explicar a cultura popular ou do povão. Aí eu realmente preciso ir para o intervalo comercial, mudar de canal ou melhor, desligar, dar um shutdown.
Ah, o Sashimi... o tal do peixe crú, tem gente que fica com vontade de vomitar só de falar e no meu caso, acho um trilhão de vezes o gosto do salmão crú mais saboroso do que cozido, grelhado, frito ou assado. Minha descendência japonesa? Sinceramente, não influi, pois gosto de uma boa feijoada até um tanto mais do que o sashimi.
Mas enfim, cada vez mais as coisas  ficam ainda mais complicadas, mesmo com o paralelo de pessoas que dizem gostar de um monte de coisas, mas nada em específico (mais uma vez parafraseando o Assis, autor da frase e hoje em dia reside no Japão).
E uma coisa que para mim é constrangedora e enfadonha, ouvir alguém tentando justificar seu gosto com alguma teoria, tentando requintar algo tão simples. Ora, eu gosto e pronto.
Cada vez mais, é mais difícil esta situação, tanto na música, na arte em geral, quanto na culinária (mas muitos gostam de usar o termo gastronomia, mas sinceramente, esse termo pra mim me lembra algo sobre nossas vísceras), tudo tem que ter um tratado, uma tese pra justificar, seja música de vanguarda ou um simples hamburger, que agora tem o tal do hamburger gourmet. É apenas carne moída e um pão, o resto é desnecessário, não que eu rejeite informações, mas isso não vai convencer meu paladar, tanto físico, como existencial.
Houve um rei israelita extremamente sábio que disse  o seguinte:

"E, demais disto, filho meu, atenta: não há limite para fazer livros, e o muito estudar é enfado da carne." - Eclesiastes 12:12

E no mais, eu só queria comer um hamburger (pode ser um hamburger vegetariano também) ouvindo uma música do Ramones, sem alguem tentando elaborar uma teoria qualquer...

sábado, dezembro 17, 2011

The Vandermark 5 – The Horse Jumps And The Ship Is Gone (2010)

Sim, o natal está chegando e aqui vai mais um para a sessão de presentes do Sonorica.
Me lembro do primeiro contato que tive com o The Vandermark 5, foi em 1998, quando trabalhava numa pequena loja de cd's no centro de São Paulo, onde eu fazia os pedidos para a importadora e me deparei com um catálogo coletivo de vários pequenos selos de rock independente e algo experimental. Alí estava o anúncio de Single Piece Flow, o primeiro disco do V5 e a descrição falava de um renovo no free jazz norte americano e do tradicional celeiro de música mais ousada: Chicago. Aquilo me intrigou e argumentei para o meu senhorio que deveríamos apostar naquele disco, mesmo que fosse só uma unidade e que se ninguém comprasse, eu compraria, pois algo me dizia que tinha algo especial no V5. Um conhecido meu foi na loja e eu ofereci o ítem recém chegado e lancei a proposta irrecusável: se ele não gostasse, receberia o dindico de volta, ou seja, disse que comprava de volta. Era a chance dele gostar e ter o prazer de conhecer algo novo e parar de ficar só nos ícones dos anos 60. Quando ouví a primeira faixa, foi um grande impacto, tinha a energia punk rock e o esmero e liberdade em grandes dimensões do free jazz. E a guitarra distorcida de Jeb Bishop (também trombonista), Ken Vandermark ao clarinete baixo soa tão desbravador quanto Eric Dolphy. O free jazz estava se renovando! Desde então este é um dos meus grupos favoritos e também iniciei um vínculo com o Vandermark e trocamos algumas palavras via net e duas vezes em pessoa. O V5 teve uma virada em 2006 com a mudança do line-up: sai a guitarra e trombone de Jeb Bishop e entra o violencelo de Frederick Lonberg-Holm. Isso trouxe uma nova perspectiva sonora ao V5 e confirmando o espírito desbravador do quinteto.
Em The Horse Jumps And The Ship Is Gone, o V5 atinge mais uma nova e impactante dimensão sonora com a colaboração inédita de piano e trompete. O sueco Magnus Broo traz um renovo no trompete na free music e o pianista norueguês Håvard Wiik também dá continuidade no avanço do amplo espectro sonoro deste instrumento que possibilita muitos caminhos. Clique na imagem para acessar o arquivo.

quinta-feira, janeiro 27, 2011

AALY Trio + Ken Vandermark - Stumble (1998)

Sem dúvida este é um grande encontro com os dois saxofonistas mais significativos da atualidade: Ken Vandermark, de Chicago e Mats Gustafsson da Suécia. Inclusive ambos nasceram em 1964 e compartilham de diversos projetos em comum, numa frutífera parceria que integra os cenários do free jazz e free improvisation nos EUA e Europa. Mats, assim como Ken, possui um perfil desbravador da nova geração de improvisadores do saxofone, oriundos do jazz, mas rompendo as barreiras estilísticas, avançando em territórios que vão muito além do cancioneiro tradicional popular, conhecidos como standards. Ambos trafegam com liberdade nas esferas do rock, música experimental e o jazz, obviamente. São músicos de características bem distintas entre sí, que se completam ao se associarem em diversos projetos, como o Sonore e Chicago Tentet, ao lado do veterano Peter Brötzmann. O AALY Trio com os conterrâneos Peter Janson, no baixo e Kjell Nordeson na bateria, foi digamos, como o Vandermark 5 de Ken, embora não tenha a longevidade do V5, que continua sendo uma espécie de ponto de partida e coluna para os projetos de Vandermark.
Em Stumble Vandermark contribui com duas composições e o grupo faz uma releitura de Song For Che de Charlie Haden, na Liberation Music Orchestra, gravada originalmente em 1969.
Ken Vandermark e Mats Gustafsson são nomes essenciais na música contemporânea mais ousada e se você deseja acompanhar o que há de melhor no gênero, fique atento aos trabalhos destes dois criativos músicos do cenário atual, que tem revitalizado e inovado o free jazz e free improvisation de uma maneira única e especial. Clique na imagem para acessar o arquivo.
Para saber mais:
http://matsgus.com/
http://www.kenvandermark.com/

segunda-feira, dezembro 13, 2010

E finalmente Ken Vandermark passou por aqui!

Eu poderia falar de outras pessoas também, mas não pude comparecer na apresentação de Han Bennink e Phil Minton no dia seguinte ao trio Vandermark, Ex e Sanders. Phil Minton eu já tinha me encontrado tempos antes e até demos um passeio pelo centro de São Paulo, junto dos meus queridos Lauro, Tiago e Thomas que providenciaram tudo. Bennink eu só fui apresentado pelo Marcio, mas tive que sair rapidamente por outros compromissos. Para quem gosta de jetset, estava um banquete farto, grandes improvisadores alí, bem pertinho e acessíveis. É isso que as pessoas tem que começar a ver, esta comunidade mundial musical não dá espaço a escalões, nomes, celebridades e fama. Aqui no Brasil não, é tudo na base de: "Quem é você? Com quem você tocou? Você é amigo de quem?" Aí veja e ouça o que acontece por aí, um bom número de músicos que nem sempre tem a técnica que tanto exaltam e não tem um mínimo de criatividade. Lá fora não, é: "Você é criativo, vamos tocar" e só, não importa de que toca tenha saído.
Não vou comentar sobre a apresentação em sí, a não ser que foi a primeira e muito esperada vinda de Ken por aqui e sua primeira performance com Luc. Mark e Luc já se sentem à vontade em São Paulo. Três improvisadores experientes e criativos que estavam em sintonia para partir do nada naquele palco fizeram o que me parecia óbvio e simplesmente se confirmou, um maravilhoso encontro musical.
O engraçado é que eu olhava para o Ken alí tão perto extraindo o seu melhor no saxofone e não conseguia fazer analogia com o Vandermark que ví na Jazz Times, Wire, nos videos do YouTube, do V5, do Chicago Tentet, nomeado MacArthur Fellowship, etc. Parecia que eu fui ver um amigo das antigas tocar e agora mora em outra cidade e não encontrei mais. Ken Vandermark é o que você vê na foto, o mesmo sujeito de camisa xadrez, calmo e gentil, daqueles que não dava trabalho na escola, amigo de todo mundo, mas reservado. A música? Ora, ela foi absorvida e ficará na memória, não nota por nota, mas como Monet, ficará a impressão daquela noite.
Aqui deixo as palavras que o próprio postou no facebook:

Ken Vandermark
‎12/10: 1st concert in Brazil, Sao Paulo w/Mark Sanders and Luc Ex. Hard work but we got results- Luc had his bag lost by the airline, all of his pedals were in it, so he was struggling w/the bass sound, and I felt like I was struggling with my tenor all night. Fantastic audience, standing ovation and encore.
Ken Vandermark Hi Rubens- Great to meet in person finally, and very happy you and your friends enjoyed the concert in Sao Paulo- it was amazing to be there! Porto Allegre was fantastic too; I hope that I can get back to Brazil soon!
Aliás o que eu lembrarei também, é que foi um dia que encontrei muitos amigos, até tive tempo de bater um papo com o Gastão e o Massari na lanchonete, sobre Iron Maiden, Chris Cutler, John Zorn... É! Rock não é inferior ao free jazz e free improvisation (o jazz foi foi libertado e qualquer um é livre para improvisar).


sábado, dezembro 04, 2010

Ken Vandermark: entrevista

Esta entrevista foi elaborada por mim à cerca de 4 ou 5 anos atrás, por e-mail, quando iniciei meu contato com Vandermark, onde descobrí uma pessoa antenciosa, simpática e simples. Eu já tinha publicado esta entrevista no blog Farofa Moderna, mas não ainda neste blog. Em tempo de sua primeira (que seja a primeira de muitas) vinda ao Brasil, republico-a para quem quiser conhecer mais um pouco deste talentoso artísta:




1. Quando você começou a tocar já pensava em fazer esse tipo de música que faz agora?
Eu cresci ouvindo todos os tipos de música, meu pai em particular sempre deixava o estéreo ligado quando estava em casa – na maior parte do tempo jazz mainstream (Monk, Ellington, Miles Davis, etc.), e música clássica (Stravinsky, Bach), alguma coisa da Mototwn, bossa, Frank Sinatra e Sly & the Family Stone. Depois de trabalhar no trompete por alguns anos eu percebi que não conseguiria tocá-lo bem o suficiente pra fazer algo sério e mudei pro saxofone tenor aos 16 anos. De primeira tentei compor minhas próprias músicas e tocá-las com um grupo que eu organizei com meus colegas na banda do colégio. Mas a coisa começou a andar quando meu pai me apresentou o álbum "Tenor" do Joe McPhee. Nessa época (eu tinha uns 17) seu interesse em jazz estava avançando pra fora do mainstream, meu pai estava escutando mais free jazz dos anos 60 (Ornette, Shepp) e assistindo mais shows de grupos contemporâneos em Boston (Joe Morris, The Fringe -com George Garzone, Bob Guilotti, John Lockwood; Shock Exchange, liderado por Dave Bryant), assim como a música mais ousada que vinha pra cidade (Don Cherry, Shepp, The Art Ensemble of Chicago, Sam Rivers). Como sempre fazia, meu pai me levava aos concertos, mas eu tinha problemas em assimilar as idéias desses artistas mais ousados, até que ouvi "Tenor". De alguma maneira aquele álbum colocava os sons mais abstratos da música improvisada em uma construção melódica que eu conseguia seguir – foi uma epifania. Assim que ouvi a música de McPhee eu disse pra mim mesmo: é isso que eu quero fazer.
2. Quando e como você formou seu primeiro grupo? Entre os muitos grupos dos quais você participa atualmente, algum recebe atenção especial?
Meu primeiro grupo sério foi organizado enquanto eu estava em Montreal estudando Cinema e Comunicação na Universidade McGill. Era um trio chamado Fourth Stream, meio que moldado no trabalho de Ornette Coleman e Albert Ayler. Hoje em dia, ao contrário do que muita gente possa pensar, todos os grupos com quais eu trabalho tem peso igual quando eu estou envolvido. Por muitos anos o Vandermark 5 foi o mais ativo e um centro crucial pro meu desenvolvimento como improvisador e compositor, mas o trabalho que fiz com outros conjuntos, usem eles composições ou pura improvisação são igualmente importantes pra mim. Cada um me apresenta uma série de parâmetros e personalidades diferentes, me impulsionando a desenvolver diferentes aspectos da minha música. Eu não conseguiria me dedicar a só uma banda, existem muitas idéias aí fora pra serem exploradas, e trabalhar com especialistas em seus campos específicos é a melhor maneira de aprender. Além do que, por exemplo, tocar com Paul Lytton e Paul Lovens teve a mesma importância que tocar com Hamid Drake e Paal Nilssen-Love, mesmo eles sendo todos bateristas muito diferentes entre si.
3. No Vandermark 5 cada música é dedicada a alguém. Você inventou isso ao mesmo tempo em que começou o grupo? Como é processo de composição?
Eu venho tentando reconhecer o impacto de outros músicos, artistas, cineastas, escritores e amigos por muitos anos. Dedicar as peças a eles é um jeito de mandar uma carta de agradecimento, mais do que indicar que a peça é baseada em compor no estilo musical deles.Meu enfoque na hora de compor é tentar e encontrar a identidade específica de cada peça baseada nos materiais que eu crio e nos músicos que estarão interpretando. Eu espero que cada peça seja singular, usando diferentes técnicas quando necessárias pra chegar na música pronta. Eu componho pros indivíduos que estarão trabalhando em um conjunto específico. Então, por exemplo, a música da Territory Band é escrita pros onze ou mais músicos que naquele grupo – eu não poderia pegar essas partituras e dá-las pra nenhum outro instrumentista e esperar que a música funcionasse corretamente.
4. Você segue algum tipo de filosofia pra fazer sua música? Você concorda que o artista deva catalizar alguma mudança dentro da sociedade?
Se tiver uma filosofia é que eu quero que minha música seja permitida ser livre, deixá-la trabalhar com parâmetros abertos pra que eu possa usar quaisquer fontes que eu sinta serem apropriadas pra levar a música a um espaço de improvisação e composição que é independente e original. Isso significa que é aceitável que alguns ouvintes não irão gostar de todo meu trabalho, preferindo um grupo ou sensibilidade no meu jeito de tocar em tal formação. Mas eu me recuso a ser colocado em uma série de caixas ditando o que eu posso ou não fazer de um ponto de vista musical. Gosto é uma coisa, mas a necessidade da busca e o processo da arte são outras. Eu acho que artistas criam mudanças na sociedade, mas essa é uma revolução que acontece em uma pessoa de cada vez. Sendo expostos a idéias criativas, seja através de música, pintura, literatura, etc., as pessoas estão convidadas a ter experiências da realidade de maneiras diferentes, a considerarem outras possibilidades além das apresentadas a eles todos os dias na mídia de massa. Se eles abraçam essas considerações é quase impossível que seu enfoque cultural em relação à política e com sua sociedade não seja afetado. Essa mudança pode ser lenta, mas é verdadeira pro indivíduo e sua experiência.
5. Existe alguma diferença entre o Ken Vandermark artista e o Ken Vandermark cidadão? Se isso acontece, como um influencia o outro?
Eu não tenho como fazer essa separação. Minha vida informa minha música, e minha música informa minha vida. Sem meu trabalho eu não conheceria o mundo como conheço hoje, e essas experiências mudaram completamente a maneira que eu enxergo o que toco. A música pôs meu pé na estrada, e as coisas que vejo e ouço quando estou viajando, experiências musicais ou não, me levaram a novas maneiras de pensar sobre o que faço. Minhas experiências com e através da música me obrigam a re-investigar meu mundo constantemente, artística e socialmente.
6. Você acredita que ainda há algo novo a ser feito na música, ou nós vamos sempre estar descobrindo algo do passado?
Sem dúvida: sempre há algo novo a ser criado nas artes. Eu acho que a chave pra isso é ser verdadeiro em relação ao seu período cultural. Tudo que é feito hoje em dia é influenciado pelos desenvolvimentos do passado, isso é impossível de evitar, e fingir que você pode permanecer inalterado pelo impacto da história é uma construção psicológica artificial. Porém é necessário enquanto artista fazer mais do que recriar o passado, isso é inútil criativamente. É preciso construir algo individual de seus recursos, e cada pessoa tem uma série de experiências diferentes que são integradas por suas histórias pessoais: um passado cultural, sua situação social presente, suas observações artísticas, etc. Às vezes a percepção e expressão individual é revolucionária, como no caso de Ornette Coleman ou Picasso, às vezes é simplesmente pessoal, como no caso de Stan Getz ou Max Beckmann.
7. Você acredita que a música de improvisação completou sua evolução ou isso é algo infinito, como um alfabeto, que possibilita novos sentidos para as letras que nós já temos?
Pros meus ouvidos e mente as possibilidades de improvisação são infinitas. Eu não acho que jazz ou música improvisada sejam estilos, eu acredito que é um método. Esse método tem uma coleção de ferramentas internacionais, linguagens e idéias que têm sido desenvolvidas ao longo do século XX e agora no século XXI. E quanto mais ferramentas um indivíduo desenvolve, mais ele pode se expressar espontaneamente através de música improvisada.
8. Você concorda com John Zorn quando ele declara que free jazz, improv e outras vanguardas musicais em geral não vão alcançar o grande público, mas que seu público se renova a cada geração mantendo mais ou menos o mesmo número de pessoas envolvidas?
Eu penso que os assuntos enfrentados pelos músicos de jazz e improvisação são múltiplos. Primeiro, eu acredito que a mídia mainstream especializada em jazz colocou a forma artística em um gueto musical elitista, ajudando a removê-la da percepção ou interesse da população em geral. Em segundo lugar, a maior parte dessa música é desafiadora para os músicos e, portanto, pro público. A maioria da população não é interessada de verdade em música, eles estão interessados em um papel de parede sonoro – algo bom pra ter por perto desde que não interrompa seu ambiente ou desafie suas expectativas. Estou interessado em encontrar uma maneira de quebrar a noção pré-concebida, desenvolvida pela mídia e por muitos músicos que é impossível que a música improvisada encontre um lugar real na sociedade contemporânea. A questão é encontrar fãs de música. Esse é o público que vai aos meus shows na América do Norte e na Europa, pessoas entre 20 e 40 anos que ouvem todo tipo de música: jazz, rock, reggae, funk, hip hop, música erudita, etc. e são essas pessoas que os músicos de improvisação precisam encontrar e tocar para, não para o fã elitista de jazz que já tem uma definição de como a arte pode ou não ser.
9. Quando você tem tempo, o que costuma ouvir?
Praticamente tudo em que consigo por minhas mãos. Eu tenho milhares de cds na minha coleção. Tem de tudo, de Albert Ayler a Hank Williams. Se estiver numa festa eu gosto de escutar funk antigo, reggae e rock (James Brown, Charles Wright, Stax, Funkadelic, Curtis Mayfield, Sly & the Family Stone, Lee Perry, King Tubby, Jackie Mitto, Studio One, The Ex, Shellac, Wire, Public Enemy, Fugazi); se eu estou fazendo uma audição é bem variado (Mississippi Fred Mc Dowell, Morton Feldman, Miles Davis, Duke Ellington, Iannis Xenakis, Peter Brotzmann, Evan Parker, Ornette Coleman, J.S. Bach, Albert Ayler, Anthony Braxton, música étnica do mundo todo, Charles Mingus…).
10. A pergunta inevitável. Você conhece alguma coisa de música brasileira? O que?
Meu conhecimento de música brasileira é muito limitado infelizmente. Mas alguns de meus discos favoritos de seu país são: o disco de João Gilberto que leva seu nome, "África Brasil" de Jorge Ben, "Domingo" de Gal Costa e Caetano Veloso, "Tropicália ou Panis Et Circensis".Por favor, faça algumas sugestões!
Entrevista por Rubens Akira, tradução por André Maleronka

Ken Vandermark, Mark Sanders, Luc Ex em São Paulo dia 10 de Dezembro

Nesta semana, temos oportunidade de prestigiar pela primeira vez no Brasil, um dos artístas mais expressivos da atualidade, que tem suas raízes no que se condicionou a chamar de jazz. Ken Vandermark vem do tradicional reduto onde este tipo de música avançou por campos mais ousados, que é a cidade de Chicago. Um dos seus maiores representantes era o grande saxofonista Fred Anderson e seu bar Velvet Lounge, que abrigou a mais ousada música de Chicago durante muitos anos.
Vandermark cresceu ouvindo o jazz tradicional e o mais ousado através de seu pai, que o levava às apresentações e sempre deixava o estéreo ligado em sua casa. Vandermark iniciou no trompete, mas logo decidiu pelo saxofone tenor e o disco Tenor de Joe McPhee teve importância crucial em sua decisão por fazer uma música mais livre. Vandermark desenvolve dezenas de projetos simultâneos, sendo que o Vandermark 5 é o principal deles. Faz o intercâmbio com os improvisadores da Europa constantemente, tendo constantes parceiros, músicos como Peter Brötzmann, Paal Nilssen-Love, Mats Gustafson, entre tantos. Nos últimos anos, adicionou o
saxofone barítono ao lado do tenor, clarinete em Bb e clarinete baixo. Vandermark tem uma característica única, que dialoga com a música popular contemporânea, como pode ser constatada nos seus projetos Spaceways Inc. e Powerhouse Sound, que exploram os territórios do rock, funk, hiphop e reggae.
Mark Sanders é um percussionista que tem papel essencial no cenário da improvisação livre e colaborou com os mais criativos imnprovisadores da Europa, como Evan Parker, John Butcher, entre tantos outros. Já esteve por aqui se apresentando com o pianista Veryan Weston e Luc Ex, ao lado do grande pioneiro na improvisação livre no Brasil, o percussionista Antonio Panda Gianfratti, que além de ser um artísta de expressão e criatividade, é um amigo especial.
Luc Ex fez parte de um dos mais expressivos grupos do underground, o holandês The Ex, que saiu de suas raízes do chamado anarco-punk para explorar o território livre da improvisação. Participou de projetos com Tom Cora, Phil Minton, Veryan Weston, etc.

Ken Vandermark, Mark Sanders, Luc Ex
- Centro Cultural São Paulo dia 10 de Dezembro às 19:00h

Rua Vergueiro, 1000 - Metrô Vergueiro - São Paulo, SP
Entrada franca (retirada de ingressos: duas horas antes da sessão)
- Sala Adoniran Barbosa (631 lugares)


Para saber mais sobre os músicos, acesse:

http://www.kenvandermark.com/

http://www.marksanders.me.uk/

http://www.lucex.nl/



quarta-feira, julho 14, 2010

Vandermark 5 - Annular Gift (2009)

Ken Vandermark toca saxofone tenor, barítono, clarinete em sí bemol, clarinete baixo, é compositor, fotógrafo, lidera e participa de dezenas de projetos musicais, de trabalhos solo à grandes conjuntos. Também é um dos principais artístas que trouxe renovação e inovação ao cenário do free jazz em Chicago e mundial. O quinteto Vandermark 5 é o seu principal projeto e trouxe grande renovo ao estilo, unindo a tradição do jazz, a liberdade da improvisação livre e elementos de diferentes estilos, como o funk e o rock. Diferente de seus antecessores, como Herbie Hancock a sonoridade do V5 tem mais haver com o funk de grupos como o Sly And The Family Stone e o Funkadelic de George Clinton, que fundiu o ritmo dançante com o peso do rock dos anos 70 e o rock psicodélico e progressivo de bandas como The Grateful Dead, King Crimson e MC5. Mas também se amplia nos territórios da música experimental, da música jamaicana, punk rock e música erudita de vanguarda. Uma característica das composições do V5, são as homenagens dedicadas a vários tipos de artístas, de Jackie Chan à Mark Rothko, que segundo Vandermark, não remetem ao estilo do homenageado na composição e sim, são como uma carta de agradecimento pelo impacto de sua arte. Já passaram pelo V5, o saxofonista Mars Williams, que participou em uma faixa do disco The Mind Is A Terrible Thing To Taste do Ministry, o baterista Tim Mulvena que agora toca no The Eternals e o trombonista e guitarrista Jeb Bishop. A entrada do violoncelista Fred Lonberg-Holm, trouxe uma grande diferença à sonoridade do quinteto, com suas texturas sonoras criadas pelos efeitos eletrônicos e acústicos. Sem dúvida, o Vandermark 5 é um dos grupos mais criativos de free jazz da atualidade e vale a pena conferir. Clique no título no link para acessar o arquivo: V5 - AG

*Se possível, contribua com o trabalho de Vandermark comprando seus discos, pois é um artísta independente e não tem o suporte de grandes selos e patrocinadores.

terça-feira, dezembro 08, 2009

Ken Vandermark

Quem tem acompanhado o cenário musical instrumental nestes últimos 20 anos, já deparou várias vezes em 2 nomes no que se diz em relação à inovação e criatividade: John Zorn e Ken Vandermark. Vandermark especializou seu espectro musical usando como ponto de partida o que chamam de Jazz. Mas seu repertório inclui outras áreas de seus gostos pessoais, como o funk, o reggae, o rock, etc., como podemos constatar em seus trabalhos envolvendo artístas destas áreas.
A gravação Design In Time foi lançada à 10 anos e conta com a formação de um sopro e duas baterias, dando um novo horizonte ao que ficou conhecido através de Coltrane/Ali e entre tantos outros, como Shelly Manne e Coleman Hawkins em sua gravação do album 2, 3, 4 pela Impulse de 1962. Robert Barry é o baterista original da Arkestra de Sun Ra e ainda está na ativa, tocando com grandes músicos como Fred Anderson, Kidd Jordan e Hamid Drake. Tim Mulvena fez parte do Vandermark 5 e foi para o The Eternals.
Muito interessante a junção de bateristas de gerações diferentes, que se complementam harmoniosamente ao amplo discurso de Vandermark. Design In Time tem 4 originais compostos por Ken, ao lado de classicos da música instrumental em sua forma mais inovadora:
1. Law Years (Ornette Coleman)
2. Sounds And Something Else (Sun Ra)
3. One More Once (Ken Vandermark)
4. Well Suited (Ken Vandermark)
5. Cut To Fit (Ken Vandermark)
6. Angels (Alber Ayler)
7. Feet Music (Ornette Coleman)
8. The Thing (Don Cherry)
9. Top Shelf (Ken Vandermark)
10. Green Chimneys (Thelonious Monk)
11. Peace (Ornette Coleman)

 
 
Studio Ghibli Brasil