Neste último domingo do mês de Novembro o quarteto de Ornette Coleman se apresentou no Sesc Pinheiros num final de tarde quente e ensolarada.
Não pude deixar de observar a mudança ocorrida na rua Paes Leme que hoje abriga o Sesc. Antes, à vinte anos atrás, neste mesmo local e na mesma hora, a rua estaria tomada de outro público, que frequentava o extinto salão Asa Branca, onde rolavam os bailes. Os termos eram diferentes, os bailes, que eram funk, não tinham nada haver com o que se hoje fala do baile funk. Não tinha esse negócio de "baile black" e "manos" e o tal do funk carioca. Vários jovens eram chamados de "função", trajavam camisa polo (ou as famosas camisas de vôlei azul do time Pirelli com gola), calça jeans com a barra alargada com uma tira de couro (as famosas "pizzas") e o cabelo escovinha (corte com máquina bem baixinho e se fazia um vinco no lado esquerdo ou direito no topo, como se fosse uma divisão no cabelo). O pessoal não era tão chegado em rap, no máximo curtiam um Zapp, Kurtis Blow, Whodini. Se o público do Sesc estivesse alí naquele tempo, teriam saído correndo temendo um arrastão. Neste domingo, era um desfile de smartphones, tênis importados e predominância de pessoas "brancas", de classe média.
Bem, vamos ao Ornette. Confesso que não tenho mais aquele frenesi por conta de um show internacional, tanto que já estava tranquilo de não ver o Ornette porquê não tinha dinheiro para comprar o ingresso, que se esgotou rapidamente bem antes. Mas fui abençoado com um par de ingressos e fui com minha amada. Cheguei na hora marcada, afim de não ficar naquela "sala de estar" deste tipo de evento, onde todo mundo "ama" o Ornette. Sim, pois a maioria do público nem dava bola para o que o Ornette andou fazendo nestes últimos anos e se falavam alguma coisa, era de seu passado, do quarteto com Don Cherry, Charlie Hadden e Billy Higgins ou Ed Blackwell, de Lonely Woman ou Free Jazz. Eu não estava afim de ver o mito, o ícone e sim, apenas boa música (This Is Our Music)...
O auditório estava cheio e animado, parecia um público de show de rock, com gritos, palmas e assovios inflamados. Num momento, alguém gritou: "Ornette eterno!!!". Alguns ignoram seu valor artístico e apenas enxergam um velhinho negro americano do jazz e suprem suas carências de entretenimento.
Ornette executou várias composições conhecidas de sua carreira, mas de forma diferente do formato original, tornando-as vívidas, vibrantes, emocionantes, com o frescor de sua criação. Bem diferente de ver o Paul cantando Sg. Peppers. Não tinha este aspecto museológico, definitivamente. Ornette continua o mesmo agora com um saxofone alto de qualidade, pois aquele famoso de plástico branco, era por conta da falta de dinheiro para comprar um melhor. Não perdeu sua técnica pelo avanço e limitações físicas da idade, seu som soa tão bom quanto naqueles tempos. Denardo, seu filho, que estreou ao lado com 10 anos de idade na gravação Empty Foxhole e está também em exelente forma e técnica na bateria. Ouve um momento em que acabou a luz na região e eles tocaram Lonely Woman no escuro e sem amplificação, até voltar a energia elétrica. O público foi ao delírio. No final o quarteto ficou um bom tempo recebendo o público à beira do palco.
Mas o que mais me emocionou foi presenciar pai e filho partilhando música com o público, não importava se eram Ornette e Denardo Coleman.
sexta-feira, novembro 19, 2010
Todo mundo ama o Ornette
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2 comentários:
Ótimo texto! Verdadeiramente livre!
Muito obrigado pelas palavras e a sua participação neste blog, um abraço e volte sempre!
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