quarta-feira, setembro 23, 2009
São Paulo Underground e o que mudou quando se passaram mais de 20 anos.
Para quem viveu sua juventude nos anos 80, isto é, que tinha idade suficiente para frequentar o chamado Underground Paulistano, participou de uma grande mudança em todos os sentidos no mundo em que se encontrava, devido as grandes mudanças tecnológicas. Vimos a transição do equipamento analógico para o digital, a fita k7 e o lp para os cd's e dvd's, o surgimento e crescimento da World Wide Web, que democratizou e tornou acessível a comunicação no mundo inteiro. Mas nos restringindo ao nanocosmos do underground paulistano, esta pequena parcela da imensa população de milhões de habitantes, que se contrasta com a realidade da maioria dos paulistanos, vejamos o que realmente mudou nestes mais de 20 anos. Aparentemente sempre parece que as coisas melhoram, mas nem sempre isto é a verdade e também vamos evitar aquela observação reacionária e equivocada de que antes era melhor. A vida sempre foi assim, algumas coisas melhoram, outras pioram e outras permanecem da mesma forma. Na maioria das vezes, as mudanças e melhorias dependem de nossas atitudes.
A internet possibilitou a sincronia, o acompanhamento dos fatos em qualquer parte do mundo que está conectado à rede mundial de computadores, não há mais aquele atraso(delay) que chegava até 5 anos entre a fonte e os receptores. Por exemplo, a maioria dos lançamentos fonográficos, se não fossem de artístas extremamente famosos, demoravam até 10 anos para ter sua versão brasileira, sem contar que muitos artístas nem eram lançados aqui e não eram tão obscuros. Hoje, através da net, do myspace, twitter e outros serviços virtuais, o acesso é total e simultâneo, mesmo que for sobre um artísta obscuro e independente da Eslovenia ou Hokkaido. Antes tinha que se esperar até 3 meses para receber a encomenda de uma edição da revista Wire, Maximum Rock'n'Roll, Flipside, etc. Hoje temos as edições virtuais nos sites das revistas e alguns estabelecimentos importam alguns títulos. Hoje podemos entrar em contato direto com os artístas em seus sites e serviços de comunicação, como o msn, o skipe, myspace, etc.
Enfim, já não há mais a desculpa da falta de informação. Mas o que aconteceu então? Porque ainda vemos sites, blogs, zines com erros abomináveis por falta de informação completa e correta, sendo que se encontra praticamente de tudo em termos de informação?
Uma vez me chegou as mãos um exemplar da revista Noize e até comentei sobre a qualidade gráfica, capa colorida em papel especial, com o logo impresso em verniz transparente. Que diferença dos tempos das primeiras edições da revista Rock Brigade, que era publicada em papel sulfite fotocopiado, ou seja, xerox. Esta era a realidade das publicações independentes do underground paulistano. Mas até que a Brigade se virava bem, tinha até correspondentes em outros países. As resenhas sobre os lançamentos eram muito divertidas, pois os editores extrapolavam em seus comentários, que fugiam da análise empírica e se tornavam meras opiniões pessoais e muitas vezes equivocadas. Mas apesar de toda dificuldade e precariedade, tudo era feito com dedicação.
A Noize, já é um caso bem diferente, pois tem estrutura para entregar ao leitor, um material de alta qualidade de forma gratuita, mas o conteúdo nem sempre condiz com esta qualidade. Muitas matérias possuem um conteúdo muito superficial, sendo a maioria semelhante a um resumo de Wikipedia. Talvez seja o atendimento à demanda dos leitores, uma tendência editorial, mercadológica e comportamental. Afinal a revista se esforça em entregar informação e de forma gratuita. O custo disso é um espaço demasiado para a publicidade, com produtos de natureza excluidora, pois são produtos para quem tem um certo poder aquisitivo. Se houvesse o remanejamento de orçamento, poderiam acrescentar mais conteúdo, como é o caso da revista da gravadora de jazz americana Cadence, que lança um periódico com papel mais econômico, mas com abundante material jornalistico.
No caso dos estabelecimentos como casas noturnas e lojas de discos a situação não é diferente. Me lembro de lugares que eu não tinha idade para frequentar, como o Lira Paulistana, que era perto da minha casa, mas pude comprar o primeiro disco ao vivo do horrível Vulcano, na loja do selo Lunário Perpétuo que também era perto da minha casa. Lembro do Ácido Plástico, espaço Zoster, antigo Madame Satã, o Cais(que viria a ser o Hoellish e depois Der Tempel), o Aeroanta, Rainbow bar, Teatro Mambembe e é claro, o Espaço Retrô.
Num post anterior, já tinha escrito sobre as lojas da Galeria do Rock, mas lembremos algumas lojas, como a do selo New Face, a Rock Story do Mariano, a Kubikulum Rock do finado Rogê, A Rainbow do Nunes, a Tok-Entre do Quinha, a Wop Bop(que vendia a revista Thrasher), a Zoyd do Rodnei e a Woodstock Discos. A maioria destas lojas vendiam camisetas caseiras em silk-screen, fitas k7 gravadas dos lp's importados e não tinha lá muito material e muito menos a possibilidade de acompanhar simultaneamente o que acontecia, mesmo no póprio país. Existia um publico mais participativo de debates sobre seus gostos musicais e com mais sede de informação. Isso não quer dizer que havia uma boa parte que era ignorante mesmo, o que gerou uma grande quantidade de boatos e lendas sobre os artístas. Hoje o número de lojas diminuiu drasticamente, em parte também por conta dos downloads de mp3, mas as poucas que ainda resistem, carecem de uma variedade, qualidade e certa ousadia que as lojas antigas tinham. As lojas de discos independentes tinham uma certa função de central de debates, ponto de encontro e a formação de opinião(esse lance de formadores de opinião é um tanto quanto nocivo). Não que hoje isto não mais ocorra, mas agora deteriorou. Pode se tratar da última novidade do indie-folk experimental de Chicago ou o último hit da pista de dança produzido por um dj de descendência malasiana, a maioria se tornou superficial. Os gostos musicais se tornaram mais reacionários e anacrônicos entre a juventude que clama por ter um passado histórico. Veja que paradoxo, os modernos querem ter uma tradição.
Me lembro das casas noturnas, como o Espaço Retrô, comandado pelo Roberto Cotrin, onde o suporte do surdo da bateria era um pedaço de baqueta quebrada e a pele tinha um remendo feito com emplastro Sabiá e quase sempre no final da madrugada passava um vídeo em VHS no telão, tocando Bella Lugosi is dead, do Bauhaus. A maioria destas casas noturnas tinham uma qualidade de som lamentável que chegava ao ponto de não dar pra entender a proposta das bandas. Mas apesar de tudo, inclusive a deficiência das bandas, havia um certo frescor e originalidade. Hoje temos lugares como o Studio SP e outros clubes na região da Barra Funda, com boa estrutura para receber tanto o público quanto os artístas, onde podemos ouvir com nitidez o som da música, se isso é vontade do artísta. Mas tem faltado o frescor e originalidade de antes. Muitos podem discordar desta afirmação, mas quem presta atenção no que ocorre no mundo afora(olha a internet aí e uma boa pesquisa) sabe do que estou falando. Simplesmente se pode reproduzir com uma boa estrutura o que se faz por aí mundo afora, mas sem originalidade de criação.
No final das contas, aquele cafezinho mau feito que você pedia para viagem e vinha no copinho descartável de plástico, agora é delivery com copinho térmico de isopor, mas ainda é o mesmo cafezinho aguado e lotado de açucar. Mas sempre temos a esperança de um mundo melhor.
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