sábado, agosto 22, 2015

Jazz Na Fábrica... Como somos provincianos!

Início da noite de 16 de Agosto de 2015. Fazia um tempo consideravelmente longo que não prestigiava uma apresentação musical deste gênero e nestas circunstâncias. Ah, os festivais internacionais de jazz em São Paulo... Os mais notórios tinham nome de empresas e produtos que causam grandes males à saúde e de um certo modo, à humanidade. Ainda existe um ou outro festival com essa estratégia de marketing, vendendo um produto para um público alvo classificado como sofisticado.
O SESC à seu modo, tenta incluir o grande público em nichos da arte que naturalmente são segregados por motivos sócio-econômicos que obviamente refletem culturalmente, afinal, quase todo mundo sabe que cultura não é só entretenimento, arte, museus, etc e etc. Então o festival Jazz Na Fábrica chega ser um dever cívico desta instituição do setor privado.
Os festivais anteriores até tentaram "ousar" nas atrações, mas ao longo dos anos, por questões mercadológicas, essa ousadia praticamente definhou. Por que? Essa questão de mercado é mais importante do que a tal da cultura obviamente. Status não aumenta o saldo do caixa. Imagine uma programação apenas com Peter Brötzmann, Roscoe Mitchell, Ken Vandermark, Mats Gustafsson, Evan Parker. Haveria público para preencher um espaço de um ginásio de esportes?
Os festivais de jazz patrocinados por grandes empresas sempre tiveram esse foco insólito de público "A", mas também suponho que a maioria sabe que a opulência nunca garantiu um refinamento e alto nível cultural, ainda mais no Brasil, onde foi adotada uma modalidade do sistema capitalista em sua forma mais agressiva. Isso vem desde os primórdios, pois também a esta altura do campeonato quase todos sabem que categoria de cidadãos oriundos da península ibérica vieram parar nestas terras "selvagens" para dominar (coxa de frango no bolso).
Bem, vamos ao assunto em questão, isto foi apenas um breve rascunho introdutório como base.
Por um lado que o SESC foi criado para atender culturalmente o proletariado do setor de comércio, seja com arte, esporte e lazer, isso de maneira alguma resultou em uma estrutura de 2ª categoria, visto que existe um pensamento elitista e abominável de que o dito "povão" não precisa de coisas de qualidade superior, qualquer banqueta de "prástico" já está de bom tamanho (?!).
Em alguns termos relativos, sim, infelizmente chega a ser verdade, mas isso foi condicionado à população de baixo poder aquisitivo. Pergunte à um pobre se ele gosta de morar num barraco na favela. Pois é...
Mas o SESC sempre proporcionou uma estrutura de alta qualidade e à muito tempo, tanto que me lembro quando meu pai trabalhava no setor comerciário e na minha infância desfrutávamos desta estrutura de ótima qualidade.
Hoje em dia, a maioria dos artistas que não fazem parte do varejão do entretenimento, almejam ser "assalariados" desta instituição, que lhes proporciona uma estrutura quase irrepreensível, que garante até um mínimo de público que por seus próprios meios não o teriam.
Só que da mesma forma que aconteceu com a USP, a burguesia "esperrrta" colocou suas garras no SESC. Tá, mas a instituição não é do setor privado do comércio? Sim, mas o intuito era fomentar a demanda de cultura e lazer do proletariado, assim como a USP para o ensino superior.
Quanto mais se tem, mais se quer. Por outro lado também há a situação de alguns pobres que continuam pobres, pois querem compartilhar.
Eu particularmente tive esta experiência inúmeras vezes. As pessoas que conheci  que eram de maior poder aquisitivo, eram as mais individualistas e egoístas, no estilo cada um no seu quadrado, cada um paga o seu, mas se oferecerem, aceitam sem necessidade, porque é de graça.
Com o tempo o público que frequenta o SESC foi mudando, só não foi dominado pela burguesia pois o comerciário ainda tem seu espaço resguardado, se não, a instituição deturparia completamente seu fundamento.
Nossa, e o que tudo isso que estou falando tem haver com o Jazz Na Fábrica afinal de contas? Tudo bem, vamos direto ao assunto de fato, sem rodeios.
Eu optei objetivamente por prestigiar o quarteto do multi-instrumentista William Parker que acompanho à mais de dez anos. Assim como os trabalhos paralelos do percussionista Hamid Drake. Era uma oportunidade única, além de poder comprar o ingresso por 1/3 do preço em relação ao público não comerciário. Isso proporcionou comprar mais 2 ingressos para meus amigos também poderem prestigiar. 
*Não vou comentar nada sobre a apresentação, minhas palavras poderiam empobrecer o que ocorreu em forma musical, quem ouviu pôde sentir. Seria totalmente descartável falar à respeito ou até vaidade tentar descrever.
Antes da apresentação dar início, o público adentrava no teatro do SESC Fábrica Pompéia aos poucos e atrás de mim estavam um pequeno grupo de jovens adultos, de nível universitário de instrução, girando em torno dos 20 e poucos anos de idade. Então chegaram algumas senhoras da chamada 3ª idade no recinto. Então umas das mulheres que estava no grupo disse:
"Ah, velha não! Esse povo que não entende nada de música! Esses comerciários, etc e etc..."
Naquele momento me vieram dois tipos distintos de sentimento. Tristeza e raiva. Me abateu o espírito aquela afirmação inflada de perversidade.
Mas graças a crença classificada como ignorância por grande parte das pessoas ditas mais instruídas e cultas desta sociedade, que é a minha crença em Deus, contive minha raiva para não entristecer esta "entidade imaginária".
De forma premeditada ficou por um fio de cabelo eu me virar para eles e dizer:
"Eu sou comerciário, algum problema? Depois a gente troca ideia lá fora, certo?"
Rapidamente a minha indignação e raiva deu lugar à uma angústia em minha alma, quase uma dor causada por aquelas palavras impiedosas. Depois deu pena, por estas pessoas estarem num lodo sujo de valores distorcidos, não enxergando um palmo à frente dos olhos.
Mesmo que algumas destas pessoas da terceira idade que se retiraram um pouco depois da metade do espetáculo, outras tantas permaneceram até o encerramento. 
Não foi por acaso uma oportunidade para as reles pessoas do setor comerciário terem a chance de conhecer algo novo, algo de qualidade?
Será mesmo que não houve a menor possibilidade de alguém que "não entende nada de música" ter passado a entender um pouquinho que seja agora?
Me perdoem, eu teria outras questões para abordar sobre este fato, mas isso já foi o suficiente para de certa forma consolar meu coração. Por essas e outras que chego a abrir mão de um prazer de ir à certos eventos por conta destas situações que quase sempre acontecem. Sim, posso abrir mão de ver e ouvir um grande artista por conta de um ambiente hostil, sem arrependimentos.
E só para registrar, o grupo arrogante deixou o recinto durante a apresentação...




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