domingo, janeiro 22, 2012

Feirinha da Teodoro: agonia e tristeza, a sociedade morre mais um pouco

Uma cena comum na cidade de São Paulo é a morte de uma pessoa que perdeu sua cidadania e dignidade e é denominado indigente. A sepultura não possui um epitáfio, não há flores, nem pranto. No dia de finados ninguém faz uma visita. O óbito ocorreu enquanto a cidade pulsava, pessoas iam para o trabalho, escola, às compras, ao lazer. Uma pessoa morreu e deu seu último suspiro e ninguém ouviu ou se deu conta. Só depois alguma pessoa na mesma situação percebeu que seu semelhante em estado de humilhação social, não tinha mais o fôlego da vida. Ou algum funcionário encarregado da manutenção das vias públicas deparou com uma carcaça sem vida. É um saco de plástico preto com lixo ou um gavetão com um cadáver? Ora, quem se importa?
A Feirinha da Teodoro, que ocorria no quarteirão da rua Teodoro Sampaio entre as ruas Lisboa e João Moura, deixou de existir por conta da nova diretriz da prefeitura da cidade. Tecnicamente a Feirinha da Teodoro e a feira da Benedito Calixto, tem muitas diferenças, mas num ângulo mais abrangente seriam praticamente a mesma coisa. Mas como a feira organizada na Teodoro era desvinculada aos mecanismos burocráticos, corporativos e políticos, teve sua existência revogada. Não que os artesãos da feirinha da Teodoro quisessem fazer as coisas de forma a ferir as leis constitucionais, muito pelo contrário, queriam legitimar e legalizar formalmente a sua situação e poder expor e comercializar seu artesanato dentro dos estatutos.
Mas prevaleceu a vontade de outros grupos. Não vou estender sobre esta questão em particular por já ter abordado isso por aqui anteriormente. Também não vou citar a diretriz extremamente equivocada tomada pelas autoridades em relação ao artesanato independente.
Tenho consciência plena de que haverá discordância do que estou emitindo aqui. Claro, qualquer pessoa tem o direito de discordar e fazer algum comentário, mas será perda de tempo argumentar para mudar minha opinião, pois ela se baseia meramente em fatos e resultados, não em suposições e teorias e ideologias.
Recentemente, um grupo dos movimentos dos sem terra invadiu uma propriedade que estava em desuso pelo proprietário por um longo período, sendo dada por abandonada. Existe até um mecanismo de lei que legitima esta ocupação, o termo usucapião. Mas depois da invasão o proprietário tomou conhecimento e resolveu acionar a reintegração de posse, mesmo que fosse para continuar com sua propriedade sem uso algum. Os ocupantes na intenção de fixar moradia e transformar o local como fonte de sustento, com foco na agricultura, se mobilizaram e formaram um pequeno exército para um confronto com as autoridades. A Justiça decidiu por anular a reintegração de posse e buscar um meio sensato de resolver o conflito. Os ocupantes responderam com resistência e convicção e conseguiram um resultado mais favorável até então.
O caso da Feirinha da Teodoro que é menos complexo que este que citei não teve o mesmo resultado. Se você observar a foto abaixo ou se esteve no local em questão nestes últimos meses, pode constatar que permaneceu apenas um número irrisório de artesãos engajados na luta pelos seus objetivos. Não chegou nem de perto a 10% dos que expunham seu artesanato que participou do foco de resistência. É frustrante ver que um bando de adolescentes tem mais perseverança em conseguir o melhor lugar no show da Britney Spears do que muitos que simplesmente entregaram os pontos quando se baixou o decreto autoritário da prefeitura. Não era nada garantido que se todos os artesãos continuassem a sua vigília de protesto até agora, teriam conseguido atingir seu objetivo. Mas é mais do que óbvio que se todos tivessem se unido totalmente, algo teria acontecido de forma mais positiva para os participantes da feirinha. A união faz a força para se fazer ouvir.
Teriam sem dúvida deixado um belo zumbido de indignação nos ouvidos da autoridade arbitrária. Mesmo que se não conseguissem o direito de continuar com a feirinha, a luta não teria de maneira alguma sido em vão. Mas as vozes foram abafadas no meio do trânsito e da multidão, multidão de pessoas, carros, interesses sócio-político econômicos. Se a Feirinha da Teodoro deu seu último suspiro, ninguém ouviu, ninguém se deu conta, ninguém se comoveu e mais um pedaço de vida desta cidade morreu. Não há funeral, não há flores e muito menos a bandeira a meio mastro. Quem descansou em paz?

*ps.: Depois que escrevi este texto, as autoridades resolveram voltar atrás e retomaram o processo de reintegração de posse e o que se vê no noticiário, a crueldade em nome do lucro e interesses nada nobres. E a população, os pobres sofrem.



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